Biologia das Saúvas
As formigas saúvas são insetos mastigadores e apresentam desenvolvimento completo, passando pelas fases de ovo, larva, pupa e adulto.
Como já dito, as saúvas são insetos sociais que vivem em ninhos subterrâneos. Esses ninhos apresentam numerosas câmaras, também chamadas de panelas, que são interligadas e ligadas com o exterior por galerias, também conhecidas como canais. Em algumas dessas câmaras são cultivados os fungos. As saúvas atacam diversos tipos de plantas, com preferência por algumas de acordo com a espécie da formiga, cortando diferentes partes como, folhas, frutos, galhos e outras estruturas, frescas ou secas, e as carregando para o interior do ninho, onde esse material é utilizado como meio de cultura para o crescimento do fungo.
As larvas, por estarem em fase de crescimento, alimentam-se desse fungo, rico em proteína. Após a fase de pupa, quando chegam a fase adulta, as formigas não crescem mais e necessitam de uma dieta rica em carboidratos, alimentando-se, em grande parte, dos açucares da seiva que saem das folhas que elas cortam. Antes de saírem para a revoada, cada içá (fêmea alada e sexuada) coleta e armazena uma pequena quantidade de fungo, que irá levar consigo para o caso de ter sucesso em formar um novo sauveiro. A rainha se alimenta principalmente de ovos tróficos (de alimentação) postos pelas operárias.
O fungo é cultivado em câmaras especiais e age de forma semelhante a um “estômago externo”, pois digere substância presente nas folhas das plantas, que as formigas não conseguem digerir. Algumas vezes, antes de introduzir as folhas na cultura de fungo, as operárias defecam em cima da folha. As fezes contem enzimas iguais as do fungo, que iniciam a degradação do vegetal, facilitando o trabalho do fungo. Pesquisas demonstraram que essas enzimas são originárias do próprio fungo, e passam sem ser degradadas pelo trato digestivo das formigas.
Para cumprir com perfeição todas as tarefas necessárias na colônia, as saúvas estão divididas em classes (também conhecidas como castas), onde cada uma tem sua função específica. Elas são divididas em castas permanentes e temporárias. Dentro das castas permanentes está a rainha, fêmea sexuada fundadora do sauveiro e única fonte de ovos. É também permanente a casta das operárias, estéreis, e que são subdivididas, de acordo com o tamanho, em três subclasses. As operárias não crescem, o crescimento ocorre apenas na fase larval, e fazem um trabalho de acordo com sua capacidade e constituição física. As menores são conhecidas como jardineiras e tem a função principal de cuidar dos fungos. As operárias médias, conhecidas como cortadeiras ou carregadeiras, são responsáveis por cortar e carregar o material vegetal. As maiores são conhecidas como soldados e tem como função principal a defesa do formigueiro, a forma mais fácil de identificar uma espécie de saúva é examinando a forma de um soldado. Em condições de adversidade, como em um formigueiro que teve uma grande perda populacional, os soldados podem auxiliar no corte e transporte das folhas. Para se ter noção da diferença de tamanhos, as jardineiras podem medir cerca de 2 mm, enquanto os soldados atingem 11 mm, podendo chegar a até 17 mm em algumas espécies.
As castas temporárias são compostas por indivíduos sexualmente ativos e alados, que aparecem em certa época do ano, e são formadas pelas içás ou tanajuras, fêmeas aladas, e pelos bitus, que são os machos. As fêmeas aladas são morfologicamente idênticas a rainha, só que ainda possuem asas e não estão fecundadas. Os machos tem a cabeça bem menor que as outras formigas e possuem o aparelho copulador (édego) no gaster (abdômen sem o primeiro e segundo segmentos). Esses indivíduos permanecem no ninho durante pouco tempo, cerca de quatro meses (de agosto a novembro), e depois saem para o vôo nupcial (mais detalhes na sessão de reprodução). Os machos que não saem para a revoada são expulsos do ninho ou mortos pelas operárias.
Diversos fatores estão envolvidos na determinação das castas, como, por exemplo, nutrição larval, temperatura, tamanho dos ovos e idade da rainha. Ovos maiores tendem a formar mais iças, larvas mais bem alimentadas tendem a se tornar machos maiores ou iças, enquanto larvas que se alimentaram menos tendem virar jardineiras.
Boa parte da eficiência obtida pelas formigas cortadeiras se deve ao trabalho realizado em conjunto pelas diferentes castas. Além disso, a capacidade das formigas de se livrar de organismos ou substâncias que possam prejudicá-las ou ao fungo também tem grande parte nesse sucesso. Dentro do sauveiro, além das panelas onde é cultivado o fungo, existem panelas específicas para o lixo, como restos de plantas, fungo seco e formigas mortas. Em conseqüência da divisão de tarefas, as formigas que entram em contato com o lixo não entram em contato com o fungo. Dessa forma, as formigas diminuem a chance de contaminação do fungo sadio. A proliferação de muitos microorganismos, prejudiciais ao sauveiro, pode ocorrer devido às características e à localização subterrânea dos ninhos. Esses microorganismos encontram, aí, condições favoráveis ao seu desenvolvimento. Para evitar que o fungo se contamine com esses microorganismos, as formigas operárias lambem a superfície do pedacinho de folha que cortam das plantas, retirando-os e mantendo-os na boca, de onde são devolvidos e depositados na parte do ninho destinada aos descartes, ou podem sofrer a ação de enzimas. Esse processo de desinfecção dos pedacinhos de folha ainda recebe substâncias antibióticas produzidas pelas próprias formigas e que também servem para a limpeza do sauveiro. Além disso, as formigas possuem glândulas que produzem substâncias com efeito antibiótico que realizam a limpeza da colônia. As cortadeiras também possuem substâncias na saliva que podem diminuir a ação de substâncias tóxicas (por exemplo, taninos e terpenóides).
Para buscar as folhas, as saúvas utilizam um sistema de exploração programada, elas começam a exploração nos lugares onde descobriram material de interesse mais recentemente, se lembrando dos lugares promissores e retornando a eles graças às trilhas que fazem e utilizam para coleta de alimentos. As saúvas podem atacar diversos tipos de plantas, mas a maioria das espécies tem preferência por algum tipo específico ou evitam alguns tipos de plantas. Acredita-se que as formigas aprenderam a evitar plantas que contenham compostos que possam ser prejudiciais a elas ou ao fungo.
Quando uma formiga encontra material vegetal de interesse, ela marca o caminho de volta ao ninho com um feromônio de recrutamento. Essa substância é produzida pelas glândulas de veneno, localizadas na extremidade do gaster, e serve para indicar o caminho do local de forrageamento para as companheiras. Os feromônios, substâncias químicas usadas para comunicação, são a forma mais comum de comunicação entre as formigas, podendo ser percebida como odores (substâncias voláteis), sabores (solúveis) ou pelo tato. Além do feromônio de recrutamento, existem feromônios de alarme, que desencadeiam um comportamento de defesa na colônia; feromônios responsáveis pelo reconhecimento entre indivíduos de uma mesma colônia (também chamado de “odor da colônia”), além de feromônios de marcação de território, de marcação de folhas, da rainha, dentre outros. Além da comunicação mediada por agentes químicos, também existe entre as saúvas comunicação visual, comunicação sonora e comunicação tátil.
No Brasil existem 10 espécies e 3 subespécies de saúva, das quais 6 são de grande importância econômica. As mais importantes do ponto de vista econômico são:
Atta bisphaerica: possui o nome popular de saúva-mata-pasto, devido ao fato de cortar exclusivamente gramíneas e fazer grandes estragos. Essas formigas possuem cabeça pouco brilhante e com dois lóbulos bem distintos, fazendo a cabeça parecer dividida. O seu ninho tem a aparência de um monte baixo e espalhado de terra solta e os olheiros se abrem no nível desse monte de terra. São encontradas nos estados de SP, RJ, MG, ES e MT.
Atta capiguara: conhecida como saúva parda, corta preferencialmente gramíneas. Possuem corpo vermelho opaco e muito piloso. O monte de terra está localizado fora da projeção das panelas ativas, atrapalhando um pouco na hora do combate a essas formigas. São encontradas nos estados de SP, MT e MG.
Atta cephalotes: É uma espécie florestal, conhecida como saúva da mata. Atacam dicotiledôneas, como cacaueiros e palmeiras. Os soldados possuem a cabeça brilhante e lisa na parte superior e bastante pilosa na inferior.O monte de terra chega a aproximadamente um metro de altura, mas os ninhos possuem pouca profundidade. São encontradas nos estados de AM, RO, RR, PA, AP, MA, PE e BA.
Atta laevigata: É chamada de saúva cabeça de vidro por possuir a cabeça muito brilhante, como se fosse envernizada, e cortam tanto monocotiledôneas como dicotiledôneas. Os soldados dessa espécie são grandes e brilhantes. O monte de terra solta é alto e os olheiros se abrem no mesmo nível do monte de terra. São encontradas em SP, AM, RR, PA, MA, CE, PE, AL, BA, MG, RJ, MT, ES, GO e PR.
Atta sexdens: por soltar um cheiro forte de limão quando é esmagada, é conhecida como saúva-limão. Atacam exclusivamente dicotiledôneas. O monte de terra solta é baixo e os olheiros se abrem acima do monte de terra solta, parecendo vulcões. São encontradas praticamente por todo o país e dividida em três, saúva limão sulina, saúva limão e saúva limão do norte, de acordo com a região onde é encontrada e algumas pequenas diferenças.
Atta vollenweideri: No Uruguai e Paraguai é chamada de isau, as operárias são pardo escura e possuem a cabeça vermelho escura. Atacam gramíneas e dicotiledôneas. O monte de terra chega até 1,5 metro, com os olheiros na parte superior desse monte e protegidos por um pequeno chapéu, que os protege da chuva. São encontradas nos estados de RS e MS.